Morte e Vida Severina

O retirante explica ao leitor quem é e a que vai.

— O meu nome é Severino, 

como não tenho outro de pia. 

Como há muitos Severinos, 

que é santo de romaria, 

deram então de me chamar 

Severino de Maria; 

como há muitos Severinos 

com mães chamadas Maria, 

fiquei sendo o da Maria 

do finado Zacarias. 

Mais isso ainda diz pouco: 

há muitos na freguesia, 

por causa de um coronel 

que se chamou Zacarias 

e que foi o mais antigo 

senhor desta sesmaria. 

Como então dizer quem falo 

ora a Vossas Senhorias? 

Vejamos: é o Severino 

da Maria do Zacarias, 

lá da serra da Costela, 

limites da Paraíba. 

Mas isso ainda diz pouco: 

se ao menos mais cinco havia 

com nome de Severino 

filhos de tantas Marias 

mulheres de outros tantos, 

já finados, Zacarias, 

vivendo na mesma serra 

magra e ossuda em que eu vivia. 

Somos muitos Severinos 

iguais em tudo na vida: 

na mesma cabeça grande 

que a custo é que se equilibra, 

no mesmo ventre crescido 

sobre as mesmas pernas finas 

e iguais também porque o sangue, 

que usamos tem pouca tinta. 

E se somos Severinos 

iguais em tudo na vida, 

morremos de morte igual, 

mesma morte Severina:

que é a morte de que se morre 

de velhice antes dos trinta, 

de emboscada antes dos vinte 

de fome um pouco por dia 

(de fraqueza e de doença 

é que a morte Severina 

ataca em qualquer idade, 

e até gente não nascida). 

Somos muitos Severinos 

iguais em tudo e na sina: 

a de abrandar estas pedras 

suando-se muito em cima, 

a de tentar despertar 

terra sempre mais extinta, 

a de querer arrancar 

alguns roçado da cinza. 

Mas, para que me conheçam 

melhor Vossas Senhorias 

e melhor possam seguir 

a história de minha vida, 

passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.

O retirante resolve apressar os passos para chegar logo ao Recife.

— Nunca esperei muita coisa, 

digo a Vossas Senhorias. 

O que me fez retirar 

não foi a grande cobiça; 

o que apenas busquei 

foi defender minha vida 

de tal velhice que chega 

antes de se inteirar trinta; 

se na serra vivi vinte, 

se alcancei lá tal medida, 

o que pensei, retirando, 

foi estendê-la um pouco ainda. 

Mas não senti diferença 

entre o Agreste e a Caatinga, 

e entre a Caatinga e aqui a Mata 

a diferença é a mais mínima. 

Está apenas em que a terra 

é por aqui mais macia; 

está apenas no pavio, 

ou melhor, na lamparina: 

pois é igual o querosene 

que em toda parte ilumina, 

e quer nesta terra gorda 

quer na serra, de caliça, 

a vida arde sempre com 

a mesma chama mortiça. 

Agora é que compreendo 

por que em paragens tão ricas 

o rio não corta em poços 

como ele faz na Caatinga: 

vive a fugir dos remansos 

a que a paisagem o convida, 

com medo de se deter, 

grande que seja a fadiga. 

Sim, o melhor é apressar 

o fim desta ladainha, 

o fim do rosário de nomes 

que a linha do rio enfia; 

é chegar logo ao Recife, 

derradeira ave-maria 

do rosário, derradeira 

invocação da ladainha, 

Recife, onde o rio some 

e esta minha viagem se fina. 

 O carpina fala com o retirante que esteve de fora, sem tomar parte de nada.

— Severino, retirante, 

deixe agora que lhe diga: 

eu não sei bem a resposta 

da pergunta que fazia, 

se não vale mais saltar 

fora da ponte e da vida; 

nem conheço essa resposta, 

se quer mesmo que lhe diga 

é difícil defender, 

só com palavras, a vida, 

ainda mais quando ela é 

esta que vê, Severina 

mas se responder não pude 

à pergunta que fazia, 

ela, a vida, a respondeu 

com sua presença viva. 

E não há melhor resposta 

que o espetáculo da vida: 

vê-la desfiar seu fio, 

que também se chama vida, 

ver a fábrica que ela mesma, 

teimosamente, se fabrica, 

vê-la brotar como há pouco 

em nova vida explodida; 

mesmo quando é assim pequena 

a explosão, como a ocorrida; 

como a de há pouco, franzina; 

mesmo quando é a explosão 

de uma vida Severina. 

The migrant explains to the audience who comes this way and where he goes.

—My name is Severino,

for I wasn’t given another in baptism.

As there are many Severinos,

saints of pilgrimage,

I was given the insignia

Severino of Maria;

as there are many Severinos

with mothers named Maria,

I became that of Maria,

of the late Zacarias.

But this still means little:

there are many in the land,

due to a colonel¹

named Zacarias

lord of this sesmaria².

So how does one tell who am speaking,

oh, to Your Lordships?

Let us see: it is the Severino

of Maria of Zacarias

From the scrublands from Costela,

outskirts of Paraiba.

1. Colonel: land owner

2. Sesmaria: land used for agriculture

But this still means little:

at least five more there were

with the name Severino

sons of such countless Marias

wives of other countless,

already passed, Zacarias,

living in the same scrawny and bony

scrublands in which I lived.

We are so many Severinos

living identical lives:

in the same big head

that we hardly manage to balance,

with the same swollen belly

above the same skinny legs

because the blood we use

has little color.

Given we’re Severinos

living everything alike in life,

we die alike deaths,

the same Severinus death:

we die the death

of old age by thirty,

of ambush by twenty,

of hunger day by day

(of weakness and of disease

is what the Severinus death

strikes at any age,

even in unborn children).

We are so many Severinos

identical in all and in fate:

to mellow these rocks

with temples covered in sweat,

to try to blossom

lands ever more barren,

to want to tear apart

some bushes from the gray wilderness.

But, to know me

better, Your Lordships,

and to better follow

the story of my life,

I now become the Severino

who in your presence emigrates.

 

The migrant decides to step up his pace to arrive soon at the coastline of Recife.

—I never expected much,

I tell Your Lordships.

What made me migrate

was not a great greed;

the only thing I wanted

was to defend my life

from such old age which

arrives before finishing thirty;

if in the scrublands I lived twenty,

if, there, I attained said accomplishment,

migrating, I thought to try

and lengthen it a little still.

But I felt no difference

between the hot Agreste³

and the dry Caatinga⁴,

and between the Caatinga

and, here, the humid Mata⁵

the difference is minimalistic.

Their only distinction lies in that

the land around here is softer;

it lies only in the fuse,

or, better, in the lamp:

since it’s just like the querosene

that illuminates all parts,

3. Agreste: A hot, subhumid region of northeastern Brazil

4. Caatinga: A dry, desert-like region of northeastern Brazil

5. Mata: Short for Mata Atlântica, a forest biome in Brazil’s coastline that is more humid than other regions of the Brazilian countryside

And, whether in this fatty land

or in the dusty scrublands,

life always burns with

the same dying flame.

Now I understand

why in such rich landscapes

the river doesn’t split into shafts

like it does in the Caatinga:

it lives running from the backwaters

to which the landscape invites,

afraid to stop itself,

no matter the fatigue.

Indeed, it’s best to hurry

the end of this litany,

the end of the rosary of names

that the river line threads;

it’s best to get to Recife soon,

the final Hail Mary

of the rosary, the last

Invocation of the litany,

Recife, where the river vanishes

 

and this journey of mine ends.

 

The carpenter speaks with the migrant, who was outside, not taking part in the child’s birth.

—Severino, traveler,

let me now tell you:

I don’t quite know the answer

to the question you made,

if it is worthwhile to jump

off the bridge and from life;

I’m not familiar with that response,

if you still want me to tell you

it’s hard to advocate,

with only words, for life,

when it is this one you see, Severinus,

but if I could not give a response

to the question you were making,

then her, life itself, has answered

with her lively presence.

There is no better answer

than the spectacle of life:

witnessing her unravel her thread,

also called life,

witnessing the factory that she,

stubbornly, manufactures herself,

witnessing her sprout like at present

in a freshly bursting life;

even when small,

the burst, like at hand;

like the one just now, frail;

even when it’s the burst

of a Severinus life.

Afterword

 

Morte e Vida Severina, by João Cabral de Melo Neto, is an important text due to how it highlights the modern repercussions of a colonial history on certain communities, specifically through the lens of the northeastern region of Brazil. Besides, the story portrays a very personal account of someone struggling to find reason to continue living in light of the precarious living conditions they find themselves in. Even so, the play still ends on a hopeful note. One of the things I spent the most time thinking about during my translation was how I should translate a made-up adjective the author constantly repeats during the play, especially since it is central to the message the author implies throughout the play. Besides this, I also spent a significant amount of time interpreting some northeastern Brazilian idioms that are rarely used nowadays. To overcome these challenges, I used a word in Latin, “Severinus,” to emulate the word the author invented. Also, I did my best through research and contextual interpretation to translate the idioms that have fallen out of use. 

Works Cited

Cabral de Melo Neto, João. Morte e Vida Severina. Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 1955.